O belga Daniel Zajfman, presidente do Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, esteve no Brasil para uma série de palestras e encontros. Uma delas chamou a atenção por sua espontaneidade: foi realizada num bar no meio do Clube Hebraica, em São Paulo.

Durante o bate papo com uma plateia lotada, ele discutiu e apresentou diversas questões relacionadas ao universo da pesquisa científica. Antes de subir ao palco, Zajfman concedeu uma entrevista exclusiva para SAÚDE, em que conta como é o trabalho no centro de estudos que ele dirige e qual a importância da educação para o desenvolvimento de um país.

Sete dos 25 remédios mais vendidos do mundo foram criados no Instituto Weizmann. Qual o segredo de vocês?

É muito simples: excelência em curiosidade. Não é nem segredo… O que precisamos é possuir a habilidade de encontrar as pessoas certas e oferecer uma boa infraestrutura e um espaço para que elas possam pensar. Fim de papo.

Enquanto todo mundo procura uma solução para um problema, nós tentamos apenas entender a natureza. Nós chamamos isso de pesquisa conduzida pela curiosidade. No começo, pode parecer que o trabalho não vai dar em nada, porque não há um objetivo específico. Porém, se analisarmos as grandes descobertas da humanidade, perceberemos que elas foram encontradas por pessoas que não tentavam resolver um problema.

Vamos pegar a penicilina como exemplo. Ela não foi desenvolvida porque alguém pesquisou especificamente uma maneira de combater infecções bacterianas. Foi puro acidente. Isso é o que fazemos: nós fazemos acidentes. Do nosso ponto de vista, esse processo é muito mais eficiente do que os outros.

Só uma em mil drogas estudadas e avaliadas no laboratório vira realidade e chega às farmácias. Como vocês lidam com o patrocínio e o aporte financeiro desses estudos?

Nós não desenvolvemos drogas. Nós transformamos dinheiro em conhecimento. Nós somos uma instituição acadêmica e tentamos entender a vida, a natureza, os sistemas moleculares, o corpo humano… Não curamos doenças, mas tentamos entender como elas funcionam.

O que a ciência pode fazer para tornar a vida das pessoas mais saudável?

Boa parte da ciência funciona nesse sentido. É só analisarmos quanto evoluímos de milhares de anos atrás, na época em que vivíamos nas cavernas, para hoje. Há 100 anos, a expectativa de vida era de 40, 45 anos no máximo. Hoje passamos dos 80 anos. Podemos pensar em qualidade de vida, mas é um processo gigante que acontece dia após dia.

Uma parcela considerável da ciência está focada em curar doenças. A outra parte é guiada pela curiosidade, como já discutimos. Essa segunda turma precisa de muita paciência, porque às vezes as pessoas pensam que a pesquisa fundamental não leva a nada. E leva a muitas coisas, você não pode ignorá-la.

Como você imagina que as ciências de saúde vão se desenvolver nos próximos dez anos?

Eu não tenho a menor ideia. Só os ignorantes fazem previsões sobre a ciência. A única coisa que sabemos é que a saúde será mais personalizada. É curar pessoas em vez de doenças.

Os médicos não têm muitos dados hoje em dia. Já é possível fazer grandes descobertas com a quantidade de informações que temos disponível. Radiografias e exames de imagem, por exemplo, se tornam cada vez mais específicos. Entramos numa área em que o número de informações disponíveis é gigante.

Dessa maneira, quando um médico tomar uma decisão, ela será baseada em informações. Hoje em dia, muitas vezes o médico se vê diante de um paciente em que podem ser aplicadas três drogas. Ele tenta uma. Se der errado, parte para outra. Dessa maneira, ele perde tempo, dinheiro e ainda pode causar danos. Será que podemos montar um sistema em que se tenha a droga certa, na dose certa, no momento certo, para o paciente certo?

Os pesquisadores brasileiros enfrentam grandes dificuldades em fazer seu trabalho. Há problemas de investimento, de infraestrutura… Qual é o impacto que a ciência tem no desenvolvimento de um país?

Em primeiro lugar, todos os países enfrentam problemas com a falta de investimento. É como as nossas contas bancárias. Nós nunca achamos que o valor que está ali é suficiente, sempre queremos mais.

É óbvio que diferentes países têm formas distintas de gastar com a pesquisa. O problema é criar um modelo econômico de se fazer ciência. Há 50 anos, países ricos eram aqueles que possuíam minérios e petróleo, coisas que estavam a milhares de quilômetros debaixo da terra. Esse era o grande tesouro. A riqueza da economia de hoje está a 1,7 ou 1,8 metro acima do solo, no nosso cérebro. Vivemos na economia do conhecimento.

A única maneira de se dar bem nela é educar os cidadãos. Hoje em dia, países ricos em recursos naturais são pobres. Se você olha para as nações com maior produção de petróleo, se é a única coisa que possuem, elas são muito pobres. Por mais que existam indivíduos ricos ali, a qualidade de vida geral da população é baixa. E olha que há muito potencial. A razão disso é que os países só ficarão ricos por meio de seu povo. Investir em ciência e educação é a melhor maneira de melhorar a economia.

Você não deve pensar em investir em ciência apenas para ter um novo celular, um novo computador, um novo medicamento. Precisamos pensar na ampliação do sistema educacional para que tenhamos novas ideias próprias. Para isso é necessário elevar o nível educacional de toda a população. Está aí um investimento muito poderoso, por mais que o processo leve uma ou duas décadas para dar os seus primeiros resultados.

Fonte: Saude Abril - Por André Biernath